sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

antonio berni

Porque disseram que eu sou um erro. Porque cuspiram no meu rosto um homem mentiroso que nunca serei. Porque nesse mundo de sorrisos acinzentados não é permitido respirar felicidade. Porque eu preciso sobreviver pra que o mundo de nós dois não morra. Porque eu preciso inventar um adeus que seja nunca. Um adeus que tenha fim.


dou-te as lágrimas
que neguei ao colo de deus:
eu preciso recuperar o sonho
que escapou aos nossos olhos
levando consigo a candura
encantada dos girassóis.

dou-te as preces
que acreditam nas minhas mãos:
aninhe-as quando chegar o entardecer
para que povoem no teu céu andorinhas
azulando as manhãs solitárias e frágeis

dessa longa ausência de mim.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

à minha mãe. saudade...

seus olhos, pode abri-los agora. já não há mais dor e o medo ficou trancado no baú de maldades daquela velha bruxa que tanto lhe assombrava as noites. ela agora se foi junto à doença que se apossou de mim por anos a fio, tornando a vida um aglomerado de amanheceres descascados qual céu banguela de nuvens. não, não chore! foi só um pesadelo. o seu irmão dorme na cama ao lado e o seu pai está a roncar lá no outro quarto. não há o que temer, eles amam você e não lhe deixarão sozinho. se eu contar uma estória, você abre os olhos e depois volta a dormir? quando eu era pequena, aprendi com a sua avó que todas às vezes que a noite quer nos roubar a esperança, pirilampos iluminam o céu e viram estrelas cadentes que realizam nossos desejos, bastando pra isso jamais desistirmos de sonhar. abra os olhos, filhinho. eu estou aqui, a lhe abraçar. abra os olhos: nada nos afastará, eu juro. estarei ao seu lado, mesmo que você só possa me sentir como quem sente um olhar já vivido acarinhando a lonjura da alma. não há o que temer. a morte vem e passa, como também passam a tristeza e a dor. só a felicidade quer eternidade. e hoje ela está aqui, conosco, pra que eu te embale no colo e te faça ninar.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

antonio berni

pro amigo esquilo. e pra menina que eu amo.

você, quando se despede junto ao amanhecer, entrega-me ao medo e eu, eu não sei mais como escapar de ser um menino que deixou suas aquarelas caírem no chão. não sou capaz de inventar outro alguém, só você e seus ombros nus onde repousam borboletas amarelas. és quem alcança minhas margens, formando redemoinhos que viram carrosséis e fazem da vida uma brincadeira de roda sem tempo pra acabar [lembra quando éramos nosso mundo? eu cantarolava cantigas enquanto acarinhava tuas costas; você sonhava deitada ao meu lado, e sorria] se eu não fosse esse homem trancado ao assombro de saber-te meu completo sentido, logo-logo seríamos arribação, sorrisos emigrando daqui pra acolá. posso sentir nossos pés molhados de chuva e o nosso coração batendo mais forte quando, espantados, descobrimos que as nuvens não são tão altas assim [poderíamos brincar de saltá-las ao final de cada tarde, quando o sol procura estrelas dentro do mar...quão felizes! quão felizes!] mas, eu sei de mim as minhas distâncias que tornam qualquer felicidade insuportavelmente irreal. só não quando você está aqui – aí, o céu respira. por que hoje você resolveu não estar?